terça-feira, 3 de maio de 2016

Fazer amigos é a melhor parte da viagem - 1

VOGEL: uma história sobre estar disponível para as propostas da vida (que é diferente de deixar a vida me levar)

  Eu estava em Bled e era o meu segundo dia depois de voltar da Alemanha. Resolvi que iria a Bohinj de novo com o objetivo era ir à Slap Savica e depois Vogel - sendo este propriamente o meu maior interesse. O motorista do ônibus não entendeu quando eu disse: 
I want to go to the Waterfall.” (Eu quero ir à cachoeira)
E me respondeu:
- Sorry, my English is not so good”. (Desculpe, meu inglês não é muito bom).
- Waterfall. - Eu repeti, como se ele fosse obrigado a entender pelo menos “Cachoeira”.

   A moça de Singapura, única passageira do ônibus, sentada na primeira poltrona, tentou ajudar: “Savica”. E eu me lembrei do nome e disse: “Yes, Savica!”. “Oh, ok”, o motorista respondeu. E lá fomos nós, para Savica. Mas na verdade queríamos ir a Slap Savica, pois Slap significa Cachoeira, ou Waterfall. Só que a essa altura da conversa nós não sabíamos que fazia diferença.
   Pois bem, pela estrada afora, nós papeamos e ficamos melhores amigas de infância. Seu nome era Kay, muito viajeira, um poco tímida e bastante simpática.
Conversa vai, conversa vem, o ônibus para e o motorista diz: “Savica!”. E engatadas no meio da conversa, nem pensei, desci. Descemos.
  Chovia, e eu não tinha guarda-chuva nem capa. Olhei ao redor e constatei:
- Estamos no lugar errado.
- Como você sabe?
-Eu vim a Bohinj ontem e deveríamos passar pelo lago e descer depois dele. Ainda não passamos pelo lago.
 - Tem certeza? Vamos confirmar.

   Antes de encontrar alguém pra perguntar onde estávamos, vimos uma placa: “SAVICA”. Ahhhhhh... Savica não era só o nome da Cachoeira, era também um lugarejo no meio do nada!!!
Rimos muito, mas muito mesmo, da situação: estávamos perdidas!!!

   Quando encontramos um homem naquele lugar fantasma (leia-se 'invadimos uma casa pra pedir informação'), ele nos disse que Slap Savica estava a 10 míseros quilômetros dali! U-lá-lá! E o ônibus? Passa de hora em hora, ou seja... Lascou-se!

- Ótimo - eu disse. - Vamos pedir carona!
- Carona?
   Ela ficou desconfiada, mas eu comecei a contar minhas histórias de carona e de como é legal porque conhecemos gente nova e tal e coisa...
    Ela me ofereceu uma carona num pequeno guarda-chuva vermelho e nos esprememos solidariamente debaixo dele no suposto ponto de ônibus descoberto.
   Os carros na estrada nos ignoravam... Até que... a mágica acontece! Um casal para, pergunta pra onde vamos, e nos leva. No meio do caminho, descobrimos que eles estão indo para Vogel – uma montanha a 1500m de altitude de onde se pode ver o Triglav. O meu objetivo maior do dia era ir pra lá, porque havia uma possibilidade remota de ter neve.
   E qual não foi a minha surpresa quando eles nos convidam pra ir pra casa deles no alto do Vogel??? Ah..... era presente de Deus! Mas calma, precisava observar melhor a situação, ponderar se eles eram confiáveis. Mas eu sou assim, uma vez que eles pararam, pra mim já é sinal dos céus de que devo confiar. Por que a Vida, essa magestosa Rainha que sempre me provê com as melhores coisas, permitiria que uma má pessoa parase pra mim na estrada?
   E foi assim que bastaram 9 minutos de conversa pra eu me convencer que deveria ir com eles pro Vogel. Convenci  minha mais nova amiga de que deveríamos aceitar a oferta, e depois iríamos na cachoeira se desse tempo - pra mim não faria a menor falta, na verdade! E não fez mesmo...
Ah, deixa eu apresentar o quarteto recém-formado:

Darinka, Kay, eu, Klemen

   Subimos a montanha num Bodinho Aéreo (Cable Car) e fomos informados de que talvez de fato haveria neve num pico 300m acima do platô inical. Chegamos na casa deles, e entre muitas conversas animadas, comemos e bebemos como se fôssemos velhos amigos. Foi mágico!


   Eu e a Kay deixamos a casa e fomos pro tal pico.


   No meio do caminho, um grupo nos disse que não devíamos perder tempo indo até lá, não ia nevar. Fomos confiantes e... no meio do caminho os primeiros flocos nos alcançaram! E a medida que subíamos, a neve se adensava. Sim, estava nevando!!!



   Não dá, não tem palavra pra descrever tudo o que se passou ali, a nossa alegria, duas crianças, eu que nunca tinha visto neve, ela que tinha visto poucas vezes e era fascinada... Duas crianças, enfim! Brincando na neve, cantando e agradecendo àquela força mágica, poderosa que tinha nos conduzido até ali e que nos brindava com aquele espetáculo que, tínhamos certeza, estava acontecendo especialmente pra nós. Era um presente, só podia ser! Entre risos, cantos e flocos de neve, tendo os Alpes Julianos como testemunhas, nós nos divertimos muito, muito, muito!

Como evitar este clichê na minha primeira experiência na neve?

   E quando voltamos pra casa, recebemos a notícia de que o Cable Car tinha parado de funcionar e não poderíamos descer naquele mesmo dia. Por mim, tudo bem, eu já até tinha esquecido que tinha que descer, eu já até tinha aceitado o convite pra passar a noite. Mas pra minha nova companheira, estava faltando aquele empurrãozinho do destino. Ficamos. Comemos. Bebemos vinho e rimos muito com nossos novos amigos. Na manhã seguinte, um sábado lindo, o sol derretia a neve mas o chão ainda estava branquiiiiinho!!! Lindo, lindo, lindo!



   Subimos de novo pra contemplar os Alpes e a vista do Lago Bohinj, que com seus 12km de circunferência, é resultado do derretimento do gelo que cobria toda aquela paisagen alpina em priscas eras. Ora, se isso não serve prum ser humano ser eternamente grato à vida por toda a existência, se não serve pra nos depararmos com a nossa insignificância (no bom sentido, no sentido de quebrar a nossa arrogância e prepotência de seres superoderosos e donos do mundo, de sermos mais gratos à Mama Gaia por nos acolher no seu seio)!!!

   Coincidentemente e não por acaso, fiz duas fotos exatamente no mesmo lugar, uma antes e uma depois da neve.

Sexta à tarde

Sábado de manhã

   Naquelas montanhas geladas, entre o frio da neve e o calor da calefação e daqueles corações (pode ser clichê mas é fato), nossas conversas nos ajudaram a abrir corações, desaguar emoções, aprender sobre nós, questionar sentidos de vida. Naquelas poucas horas, crescemos ali, juntos, naquela partilha mágica que nenhum de nós haverá de esquecer. Um presente completo da vida! Pra sempre.
    E Mercedes Sossa vem mais uma vez cantar ao meu ouvido: “Gracias a la vida que ma ha dado tanto...” Ganhei neve, ganhei amigos, ganhei ainda mais amor pela vida. Gracias, gracias, gracias!

   Fechando a aventura, na hora de voltarmos pra Bled, eu agradeço à minha parceira por esta aventura:
- Obrigada pela presença, pela parceria. Obrigada por estar aberta.
E ouço como resposta:
- Obrigada por me ajudar a me abrir.
... Sem mais.

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