terça-feira, 3 de maio de 2016

Fazer amigos é a melhor parte da viagem - 2

    Claro que eu não podia deixar de escrever sobre as pessoas maravilhosas que encontrei na sLOVEnia, né!!! Não é à toa que esta é a segunda postagem sobre o assunto. A primeira está a seguir.

     Durante 5 semanas na Eslovênia (Setembro/Outubro de 2015), vivi experiências incríveis e aprendi muito sobre a arte do encontro e amizades inusitadas que deram um brilho super especial à minha aventura.

  Depois de ter ficado duas semanas na Fazenda Kostanje na cidade de Sevnica (lê-se Sêunitza) convivendo com a Família Kruštin (Borut, Lucia, Tilen, seres adoráveis que me acolheram para uma experiência de WWOOFing, como eu já disse nessa postagem, fui pra capital do país onde a Alenka Banic, irmã do amigo de um amigo, me recebeu com todo o carinho e a confiança da vida. Sua casa me serviu de base para idas e vindas pelo país durante quase 3 semanas e ela se tornou uma grande amiga.

   Aliás, Alenka merece meu mais especial agradecimento! Querida parceira companheira paciente que me levou pra Velika Planina; me apresentou o Restaurante de comida Iuguslava pra comer čevapčiči e burek; me emprestou a bike; gastou horas e horas tentando arrumar carona pra eu ir pra Munique, etc etc... 



Graças a ela, fiquei 3 semanas rodando pela Eslovênia, e muitas coisas interessantes me aconteceram, muitos encontros mágicos e histórias que eu adoro relembrar e contar!


Vesna, a eslovena que ama os brasileiros




   Na primeira vez que fui ao Castelo de Ljubljana, uma dificuldade me conduziu a um desafio da comunicação: as placas de indicação de localização não são bilíngues! Com isso, na hora de voltar pro centro da cidade, tive que ficar algum tempo ao pé de uma placa esperando que alguém chegasse para me dar uma orientação.




   Foi então que apareceu uma moça, perguntei a ela, e como ela estava indo para o mesmo lugar, descemos conversando. Claro que a perguntinha básica foi feita: "De onde você é?" e quando eu disse que sou do Brasil ela quase morreu de amor (hahha) porque tem um grande amigo brasileiro e tem vontade de conhecer o Brasil e tal e coisa... Andamos muito no centro da cidade, e ao final trocamos contato, nos encontramos mais vezes, ela me deu muitas dicas interessantes e até hoje nos falamos.

   Vez em quando eu recebo um e-mail dela com uma foto de uma paisagem bonita que ela viu e lembro de mim. Ah, e as fotos de neve em Ljubljana...


O escritor brasileiro em busca de inspiração

   Num outro dia, um rapaz me perguntou, numa esquina, qual era o nome daquela rua, e eu não sabia mas fiquei ali na esquina com ele até encontrarmos alguém mais conhecedor do local pra ajudar. Papo vai, papo vem, ele me diz: “I’m from Brazil”, e eu respondi, com o sotaque meio carioca que adquiri qdo morei no Rio: “Tá de sacanagem!”.

   Conversamos mais um tempo naquela esquina até alguém elucidar a questão e ele e seguir o caminho dele para o hostel. Aliás, eu conhecia aquele nome de Hostel, já tinha passado por ele... Fiquei intrigada, e no dia seguinte, pimba! No caminho pro mercado, exatamente na rua atrás da casa onde eu estava, dou de cara com a placa do Hostel. Entendi aquilo como um sinal de que eu deveria ir lá e procurar pelo brasileiro (que eu nem sabia o nome) pra saber se ele queria ir comigo pra Bled ou Postojna (eu ainda não sabia pra onde ia). Entrei. E o encontrei. E convidei. E ele topou. Saímos meia hora depois rumo a... acabamos resolvendo ir pra Bled.


   No caminho eu soube que ele se chama Filipe Rangel, é escritor e estava viajando em busca de informações vivenciais pra escrever seu novo romance. Tivemos bons papos e foi muito bom falar português depois de quase 2 meses sem me comunicar no meu idioma! :D


   Em Bled conhecemos uma moça da Coreia (não sei qual Coreia), que se juntou a nós quando nos perdemos na subida pro Castelo. Lembra dessa história? Já contei aqui em outra postagem.


   Quem sabe em breve vou ao lançamento do livro do Filipe Rangel, né? Ah, quem sabe até eu me veja no livro, vai que...


Uma carona pra Postojna que me levou a Piran

   Piran fica na Costa da Eslovênia, no Mar Adriático. Era o único lugar mais turístico do país inteiro que eu não tinha visitado ainda. E nem ia visitar, porque já era o meu último dia, e Veneza me aguardava (snif, snif!). Ja tinha me conformado com a ideia de que Piran ia ficar pra próxima viagem (porque eu vou voltar à Eslovênia, ah se vou!)

   Eu estava no Castelo de Predjama e precisava voltar à cidade de Postojna pra pegar as malas e ir pra Veneza. E como não havia ônibus fazendo os 9 km por ser baixa temporada (outono), o jeito era pegar carona mesmo! Sentei na mureta pra olhar o Castelo e me despedir: foi bem difícil, te juro, dizer "Tchau, Eslovênia!".

   Mas bola pra frente, respirei fundo e fui pra estrada pedir carona. Bastou uma tentativa (a carona mais rápida da história) para um casal de Espanhóis parar. Eu mal podia imaginar, mas conversando daqui e dali, eles disseram que estavam indo para... Piran! E mais: de cara, me convidaram pra ir junto. E adivinha? Claro que eu aceitei, né?

   Eles toparam passar no meu Hostel, onde as minhas coisas já estavam na recepção a minha espera e eu peguei tudo rapidinho e... pegamos a estrada.

   Só tinha um "probleminha": eles iam passar em Hrastovlje, um vilarejo que tem uma Igreja da Santíssima Trindade cujo interior esconde um tesouro: afrescos pintados por Johannes de Castua em 1490 e que ficaram escondidos, não se sabe desde quando, até o ano de 1949, sob espessas camadas de gesso. Dentre os afrescos, o grande destaque é a Dança Macabra, que mostra membros de todas as camadas da sociedade (Médico, Sacerdote, Mendigo, Rei) sendo conduzidos pela implacável Sra Morte do berço ao túmulo. Um verdadeiro tesouro que eu nem imaginei que existisse!

   Pois bem, veja você que problema eu arrumei, hein! Fui obrigada a passar por este lugar...





Afresco A Dança Macabra, pintado em 1490 por Johannes de Castua


Cristina e Irineo, os anjos que me levaram por caminhos inusitados

E depois disso seguimos para Piran. Que lugar aconchegante! Uma cidadezinha onde não se entra de carro, só a pé, que tem cara de Itália (eu ainda não tinha ido lá mas sabia que era parecido) e que, na verdade, há muitas décadas, pertenceu à Itália.

Ah, o mar... fazia 2 meses que eu não o via!




Foto: Irineo


   Ao final do dia, essas pessoas lindas - Cristina e Irineo - me levaram a Koper até um ponto de taxi, e enquanto o Irineo me ajudava com as malas, a Cristina conversou com o taxista, negociou um bom preço para a corrida até Trieste, na Itália, de onde eu seguiria para Veneza.



   E pra fechar com chave de ouro...

   O taxista era um fofo! Um senhorzinho que foi o trajeto todo (cerca de meia hora) me contando histórias de quando Piran era parte da Itália e etc etc... Chegando na estação de trem de Trieste, ele entrou comigo, me acompanhou na compra da passagem, porque se não tivesse trem para aquele dia ela ia me ajudar a procurar um hotel que não fosse (muito) caro. Percebi que ele não ia me deixar enquanto eu não estivesse com tudo resolvido. Uma simpatia e boa vontade sem tamanho! Ainda bem que tinha trem, e antes da meia noite eu estava chegando em Veneza - e aí já foi outro capítulo da minha saga!

    Êta dia longo e danado de bom, sô!

   E a Mercedes Sossa volta a ecoar nos meus pensamentos: "Gracias a la vida que me ha dado tanto..."
   GRATIDÃO SEM FIM!

Fazer amigos é a melhor parte da viagem - 1

VOGEL: uma história sobre estar disponível para as propostas da vida (que é diferente de deixar a vida me levar)

  Eu estava em Bled e era o meu segundo dia depois de voltar da Alemanha. Resolvi que iria a Bohinj de novo com o objetivo era ir à Slap Savica e depois Vogel - sendo este propriamente o meu maior interesse. O motorista do ônibus não entendeu quando eu disse: 
I want to go to the Waterfall.” (Eu quero ir à cachoeira)
E me respondeu:
- Sorry, my English is not so good”. (Desculpe, meu inglês não é muito bom).
- Waterfall. - Eu repeti, como se ele fosse obrigado a entender pelo menos “Cachoeira”.

   A moça de Singapura, única passageira do ônibus, sentada na primeira poltrona, tentou ajudar: “Savica”. E eu me lembrei do nome e disse: “Yes, Savica!”. “Oh, ok”, o motorista respondeu. E lá fomos nós, para Savica. Mas na verdade queríamos ir a Slap Savica, pois Slap significa Cachoeira, ou Waterfall. Só que a essa altura da conversa nós não sabíamos que fazia diferença.
   Pois bem, pela estrada afora, nós papeamos e ficamos melhores amigas de infância. Seu nome era Kay, muito viajeira, um poco tímida e bastante simpática.
Conversa vai, conversa vem, o ônibus para e o motorista diz: “Savica!”. E engatadas no meio da conversa, nem pensei, desci. Descemos.
  Chovia, e eu não tinha guarda-chuva nem capa. Olhei ao redor e constatei:
- Estamos no lugar errado.
- Como você sabe?
-Eu vim a Bohinj ontem e deveríamos passar pelo lago e descer depois dele. Ainda não passamos pelo lago.
 - Tem certeza? Vamos confirmar.

   Antes de encontrar alguém pra perguntar onde estávamos, vimos uma placa: “SAVICA”. Ahhhhhh... Savica não era só o nome da Cachoeira, era também um lugarejo no meio do nada!!!
Rimos muito, mas muito mesmo, da situação: estávamos perdidas!!!

   Quando encontramos um homem naquele lugar fantasma (leia-se 'invadimos uma casa pra pedir informação'), ele nos disse que Slap Savica estava a 10 míseros quilômetros dali! U-lá-lá! E o ônibus? Passa de hora em hora, ou seja... Lascou-se!

- Ótimo - eu disse. - Vamos pedir carona!
- Carona?
   Ela ficou desconfiada, mas eu comecei a contar minhas histórias de carona e de como é legal porque conhecemos gente nova e tal e coisa...
    Ela me ofereceu uma carona num pequeno guarda-chuva vermelho e nos esprememos solidariamente debaixo dele no suposto ponto de ônibus descoberto.
   Os carros na estrada nos ignoravam... Até que... a mágica acontece! Um casal para, pergunta pra onde vamos, e nos leva. No meio do caminho, descobrimos que eles estão indo para Vogel – uma montanha a 1500m de altitude de onde se pode ver o Triglav. O meu objetivo maior do dia era ir pra lá, porque havia uma possibilidade remota de ter neve.
   E qual não foi a minha surpresa quando eles nos convidam pra ir pra casa deles no alto do Vogel??? Ah..... era presente de Deus! Mas calma, precisava observar melhor a situação, ponderar se eles eram confiáveis. Mas eu sou assim, uma vez que eles pararam, pra mim já é sinal dos céus de que devo confiar. Por que a Vida, essa magestosa Rainha que sempre me provê com as melhores coisas, permitiria que uma má pessoa parase pra mim na estrada?
   E foi assim que bastaram 9 minutos de conversa pra eu me convencer que deveria ir com eles pro Vogel. Convenci  minha mais nova amiga de que deveríamos aceitar a oferta, e depois iríamos na cachoeira se desse tempo - pra mim não faria a menor falta, na verdade! E não fez mesmo...
Ah, deixa eu apresentar o quarteto recém-formado:

Darinka, Kay, eu, Klemen

   Subimos a montanha num Bodinho Aéreo (Cable Car) e fomos informados de que talvez de fato haveria neve num pico 300m acima do platô inical. Chegamos na casa deles, e entre muitas conversas animadas, comemos e bebemos como se fôssemos velhos amigos. Foi mágico!


   Eu e a Kay deixamos a casa e fomos pro tal pico.


   No meio do caminho, um grupo nos disse que não devíamos perder tempo indo até lá, não ia nevar. Fomos confiantes e... no meio do caminho os primeiros flocos nos alcançaram! E a medida que subíamos, a neve se adensava. Sim, estava nevando!!!



   Não dá, não tem palavra pra descrever tudo o que se passou ali, a nossa alegria, duas crianças, eu que nunca tinha visto neve, ela que tinha visto poucas vezes e era fascinada... Duas crianças, enfim! Brincando na neve, cantando e agradecendo àquela força mágica, poderosa que tinha nos conduzido até ali e que nos brindava com aquele espetáculo que, tínhamos certeza, estava acontecendo especialmente pra nós. Era um presente, só podia ser! Entre risos, cantos e flocos de neve, tendo os Alpes Julianos como testemunhas, nós nos divertimos muito, muito, muito!

Como evitar este clichê na minha primeira experiência na neve?

   E quando voltamos pra casa, recebemos a notícia de que o Cable Car tinha parado de funcionar e não poderíamos descer naquele mesmo dia. Por mim, tudo bem, eu já até tinha esquecido que tinha que descer, eu já até tinha aceitado o convite pra passar a noite. Mas pra minha nova companheira, estava faltando aquele empurrãozinho do destino. Ficamos. Comemos. Bebemos vinho e rimos muito com nossos novos amigos. Na manhã seguinte, um sábado lindo, o sol derretia a neve mas o chão ainda estava branquiiiiinho!!! Lindo, lindo, lindo!



   Subimos de novo pra contemplar os Alpes e a vista do Lago Bohinj, que com seus 12km de circunferência, é resultado do derretimento do gelo que cobria toda aquela paisagen alpina em priscas eras. Ora, se isso não serve prum ser humano ser eternamente grato à vida por toda a existência, se não serve pra nos depararmos com a nossa insignificância (no bom sentido, no sentido de quebrar a nossa arrogância e prepotência de seres superoderosos e donos do mundo, de sermos mais gratos à Mama Gaia por nos acolher no seu seio)!!!

   Coincidentemente e não por acaso, fiz duas fotos exatamente no mesmo lugar, uma antes e uma depois da neve.

Sexta à tarde

Sábado de manhã

   Naquelas montanhas geladas, entre o frio da neve e o calor da calefação e daqueles corações (pode ser clichê mas é fato), nossas conversas nos ajudaram a abrir corações, desaguar emoções, aprender sobre nós, questionar sentidos de vida. Naquelas poucas horas, crescemos ali, juntos, naquela partilha mágica que nenhum de nós haverá de esquecer. Um presente completo da vida! Pra sempre.
    E Mercedes Sossa vem mais uma vez cantar ao meu ouvido: “Gracias a la vida que ma ha dado tanto...” Ganhei neve, ganhei amigos, ganhei ainda mais amor pela vida. Gracias, gracias, gracias!

   Fechando a aventura, na hora de voltarmos pra Bled, eu agradeço à minha parceira por esta aventura:
- Obrigada pela presença, pela parceria. Obrigada por estar aberta.
E ouço como resposta:
- Obrigada por me ajudar a me abrir.
... Sem mais.